Artigo: Uma dose de morfina ao moribundo

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Por: Rodrigo Segantini*

Quando a Europa foi tomada de assalto pela onda fascista que dominou os governos dos países daquele continente a partir da década de 1930, o que deu causa aos movimentos que culminaram na II Guerra Mundial, ascendeu ao poder na Espanha o general Francisco Franco, que esteve no comando da nação até meados dos anos 1970. Chamado de “Generalíssimo”, há um relato popular no qual dizem que, nos estertores de sua vida, bastante debilitado, a junta hospitalar que o assistia recomendou que lhe fosse administrada morfina para suportar a dor que sentia. Porém, seu médico particular se opôs firmemente – não queria que Franco corresse o risco de se tornar um viciado em opioides.

Essa pequena estória nunca foi confirmada, não se sabe se realmente aconteceu assim ou se é uma anedota. No entanto, ela é muito utilizada para tratar uma situação em que pouco se pode fazer diante de uma tragédia de maior magnitude. No Brasil, há alguns ditados chulos que tratam de situação semelhante: um diz sobre não haver problema para alguém que, estando já sujo por não ter conseguido conter seu intestino, defecar mais uma vez em suas vestes já imundas; o outro diz que não há resolutividade em fazer um pequeno curativo paliativo em uma pessoa que tem várias feridas em razão de hanseníase.

Evidentemente, como o leitor que sorri pelo modo polido com que trouxe à lume expressões populares de baixíssimo calão, a história do General Franco é muito melhor para ser contado em um artigo de jornal. Porém, não pude deixar de trazer ilustrações mais elucidativas para o momento atual de nossa cidade.

Depois de arrastar o orçamento da cidade durante seis meses tentando afugentar credores, órgãos de controle externo e o Ministério Público como um fantasma arrasta correntes em um castelo mal-assombrado para assustar os vivos que o perturbam, o prefeito Vanderlei Mársico, encontrando-se sem saída em seus estratagemas e equilibrando-se ora na falta de recursos financeiros no Erário taquaritinguense, ora em promessas sobre um futuro virtuoso graças a auxílios externos e à sua habilidade como gestor, resolveu dar o último tiro possível para tentar matar o leão que ronda a Prefeitura e seu mandato: determinou o contingenciamento de gastos, o que, na prática, significa que não se pode gastar mais um centavo, a não ser naquilo que for absolutamente imprescindível.

Porém, há três perguntas que ficam no ar em face desta aparente louvável iniciativa. Primeiro, o que é absolutamente imprescindível e quem faz seu juízo de valor a respeito? Segundo, por que tal providência não foi adotada antes?

A primeira é fácil de responder, embora possa parecer incômoda. O prefeito mandou parar de pagar as despesas com viagens e transportes e com cursos e treinamentos. Mas não só isso: mandou que todos os gastos com água, energia e telefonia e com parcerias com entidades sejam revistos e reavaliados. Por fim, proibiu que a Prefeitura compre qualquer coisa a partir de licitação se não houve dinheiro para pagar a conta. Quem vai decidir onde é possível gastar agora é o Prefeito, auxiliado unicamente pelo Secretário Municipal de Fazenda.

Daí, vem a segunda pergunta, que, diante da resposta acima, se torna mais difícil ainda de responder. Não há razão alguma para que tal medida não tenha sido adotada antes. O que o decreto de contingenciamento propõe é algo comum e usual em qualquer administração séria, normalmente utilizada nas últimas semanas de um ano, para dar tempo de a contabilidade fechar as contas regularmente. Porém, face à calamidade que a Prefeitura se encontra, optou-se por antecipar essa providência. Até aí, com o caos já instalado, pode ser até que já seja tarde demais. Conclui-se que não há motivo que justifique essa contenção de gastos só agora ou que essas medidas de responsabilidade não tenham sido adotadas antes.

Franco, enquanto governou a Espanha, dirigiu os destinos do país com mão de ferro, pouco prestando contas de suas ações e só deixou o poder quando ficou insustentavelmente doente. Enquanto os médicos discutem se devem dar morfina para as contas da Prefeitura taquaritinguense, talvez seja o caso de o povo pensar em quem sucederá o Generalíssimo que está no poder, uma vez que se percebe que as condições para seguir sentado no trono estão ficando cada vez mais próximas do insustentável.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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